Serra da Canastra e o Parque Nacional

                                                                                      Parque Nacional da Serra da Canastra

                                                                                              O Parque Nacional da Serra da Canastra é uma unidade de conservação de proteção integral criada pelo Decreto n° 70.355, de 1972, e apresenta uma área de 197.971,96 hectares, inserido no Estado de Minas Gerais e abrangendo área dos municípios de Capitólio, Delfinópolis, Sacramento, São João Batista do Glória, São Roque de Minas e Vargem Bonita. Para fins de citação neste documento, os termos PARNA Canastra e Parque referem-se à totalidade da área indicada no Decreto, com a ressalva de que as propriedades particulares tradicionais ou não inseridas nestes limites (denominadas áreas não regularizadas) tem tratamento diferenciado em relação às áreas públicas (áreas regularizadas).

O objetivo de criação do PARNA Canastra foi, principalmente, proteger as nascentes do Rio São Francisco, Rio Araguari e tributários da bacia do Rio Grande, assim como os ecossistemas associados. Sua criação foi resultado de mobilização social devido à seca que afetou a navegação no Rio São Francisco e, também, para compensar o grande desmatamento ocorrido para implantação do reservatório da usina hidrelétrica de Furnas.

Vale destacar que o PARNA Canastra protege áreas de transição de Cerrado e Mata Atlântica no Brasil, além de conter sítios históricos, arqueológicos e alta biodiversidade.

Aspectos Abióticos

A área do PARNA Canastra está localizada em região de clima Tropical típico, com duas estações bem definidas; com a estação úmida ocorrendo entre outubro e março, sendo caracterizada pelo excedente hídrico, em especial no trimestre de dezembro a fevereiro; e a estação seca que ocorre entre abril e setembro, com o déficit hídrico acentuado entre junho e agosto, sendo estes também os meses mais frios. A pluviosidade média anual varia entre os 1000 e 1500 mm e a temperatura média entre os 18°C nos meses mais frios e os 22°C nos meses mais quentes (NOVAIS, 2011).

As amplitudes altimétricas variam, aproximadamente, de 600 a 1500 metros. As menores altitudes são verificadas nas bordas das Chapadas e nos vales. Por sua vez, as áreas de maiores altitudes se encontram nas serras e chapadões (MESSIAS, 2014). Ressalta-se o papel do relevo serrano como fator que diferencia as temperaturas e sensações térmicas no alto da Serra da Canastra, favorecendo e influenciando os aspectos das fitofisionomias da área, haja vista as altitudes na parte serrana do Parque que variam de 1080 a quase 1500 metros (NAZAR & RODRIGUES, 2019).

O PARNA Canastra compreende uma complexa zona de recarga regional, determinada pelas áreas de altitudes elevadas na região da Serra da Canastra, onde a presença de aquíferos fissurais (onde a água infiltra nos chapadões e fica armazenada entre as rochas) e rochas quartzíticas (porosas), exercem forte influência no comportamento dos fluxos da água, tanto em superfície, quanto em subsuperfície (NAZAR & RODRIGUES, 2019). Tais condições refletem nas características das coberturas superficiais da Serra da Canastra, que apresentam uma variação da umidade que se intensifica na época das chuvas, e reduz drasticamente na época seca, fazendo retrair e secar nascentes. Essas nascentes drenam para três bacias hidrográficas distintas: a do Rio São Francisco, a do Rio Grande e a do Rio Paranaíba. Na Serra da Canastra estão localizadas importantes nascentes de duas dessas bacias hidrográficas, sendo, pela bacia do Rio São Francisco, a sua nascente histórica e, pela bacia do Rio Paranaíba, a nascente do Rio Araguari.

Esta riqueza hídrica se manifesta em pelo menos 95 cachoeiras identificadas dentro do Parque, ou bem próximas ao limite da UC. Parte dessas já possuem visitação, tanto ofertada pelo ICMBio como pelos proprietários particulares e arrendatários.

Aspectos Bióticos

O PARNA Canastra está inserido no Bioma Cerrado. De forma geral, o Cerrado é conceituado como uma vegetação xeromorfa com árvores de aspecto tortuoso, preferencialmente de clima estacional, mas podendo também ser encontrado sob climas ombrófilos. Ocorre sobre solos pobres em nutrientes e ricos em alumínio.

A paisagem presente no Parque é composta por ambientes naturais (formações campestres, savânicas e florestais) e antropizados (estradas e acessos; lavras de quartzito abandonadas a céu aberto; culturas anuais e permanentes; pastagens plantadas e reflorestamentos homogêneos). A maior parte do PARNA Canastra é coberta por formações campestres do Cerrado, que englobam três diferentes tipos fitofisionômicos, a saber: campo-sujo, campo rupestre e campo limpo, e por formações savânicas representadas pela fitofisionomia cerrado sentido restrito, o qual inclui as subdivisões fisionômicas cerrado denso, cerrado ralo e cerrado rupestre (IBAMA, 2005).

Apesar de situar-se na região do Bioma Cerrado, a proximidade com o Bioma Mata Atlântica faz com que as florestas nesta região apresentem diversos elementos comuns a este ambiente. Pode-se definir dois grupos de florestas na região. Aquelas presentes em matas de galeria e matas ciliares, associadas aos cursos d’água, geralmente em solos mais úmidos, e as que não possuem associação com os cursos d’água, situando-se nos interflúvios, em solos de maior fertilidade (IBAMA, 2005).

Quanto ao conhecimento da biodiversidade do Parque, a maioria das publicações científicas disponíveis refere-se apenas ao chapadão da Canastra (área abrangida pelo Chapadão do Diamante, Serra da Canastra, Chapadão da Zagaia, Serra Brava, Serra das Sete Voltas e parte do Vão dos Cândidos) onde fica localizado o alojamento para pesquisadores do Jaguarê. Verifica-se uma carência de dados para o restante do Parque, principalmente na sua porção sul. Isso indica que, possivelmente, mais importância o Parque terá, conforme se amplia o seu conhecimento nessa região. Até o momento, foram identificadas no PARNA Canastra aproximadamente 1635 espécies vegetais, sendo várias espécies endêmicas desta UC e da região oeste e sudoeste do Estado de Minas Gerais, revelando, assim, uma rica biodiversidade.

Entre as espécies arbóreas mais comuns no cerrado sentido restrito, encontradas no Parque, estão: canela-de-velho (Miconia albicans), papaterra (Miconia stenostachya), murici (Byrsonima spp.), vinhático (Platymenia reticulata), fruta-de-pomba-do-campo (Erythroxylum suberosum) e espécies do gênero Qualea (pau-terra). Ocorrem, ainda, nos campos rupestres, predomínio das famílias de Annonaceae (Annona ssp.), Apocynaceae (Aspidosperma ssp.), Asteraceae (Lychnophora ssp., Wunderlichia ssp.), Clusiaceae (Kielmeyera ssp.), Leguminosae (Acosmium ssp., Platymenia ssp.) e Vochysiaceae (Qualea ssp.).

Além dessas, são comuns nas formações campestres, como o campo limpo, as plantas das famílias dos lírios, orquídeas e gramíneas: Amaryllidaceae (Habranthus ssp.), Iridaceae (Sisyrinchium ssp., Trimezia ssp.), Orchidaceae (Habenaria ssp.) e Poacaceae (Aristida ssp., Panicum ssp., Paspalum ssp.) e; outras herbáceas das famílias Cyperaceae (Rhynchospora ssp.), Apiaceae (Eryngium ssp.), Lythraceae (Cuphea ssp.), Eriocaulaceae (Actinocephalus ssp.), incluindo espécies de plantas carnívoras de família Droseraceae (Drosera ssp.). Também são conhecidas 61 espécies ameaçadas de extinção, sendo 21 categorizadas como vulneráveis, e 25 categorizadas como em perigo e sete categorizadas como criticamente em perigo: capim-canastra (Canastra lanceolata), Calea brittoniana, Miconia angelana, Stevia hilarii, Lithobium cordatum, Barbacenia lymansmithii. Outras 40 espécies estão classificadas como presumivelmente ameaçadas.

O Parque abriga uma fauna rica e diversificada, com espécies importantes para a conservação (endêmicas, raras, ameaçadas e/ou quase ameaçadas de extinção). Já foram pesquisados desde bactérias até grandes mamíferos no Parque. Entre as bactérias, foram identificados no Parque 37 gêneros, sendo este grupo um campo de pesquisa para o desenvolvimento de ferramentas com bioindicadores, como observado por PAULA JÚNIOR (2020). Com relação aos invertebrados, já foram registradas 646 espécies no PARNA Canastra, sendo um molusco, 33 crustáceos, 25 aracnídeos e 587 insetos. Dentre as espécies observadas, destacam-se a borboleta Parides burchellanus, classificada como criticamente em perigo e as libélulas raras e recém descritas para a ciência observadas por KOROIVA et al. (2019).

No que diz respeito aos animais vertebrados, já foram registradas nesta UC, 52 espécies de peixes, sendo duas espécies de cascudinhos (Harttia torrenticola e Neoplecostomus franciscoensis) consideradas como ameaçadas de extinção e; 67 espécies de répteis e 49 espécies de anfíbios, sendo que destas, uma espécie de réptil, a jararaquinha (Bothrops itapetiningae) e duas espécies de anfíbios, a perereca-de-folhagem-com-perna-reticulada (Pithecopus ayeaye) e o sapo-da-terra (Proceratophrys moratoi) estão ameaçadas de extinção.

 Já foram registradas no PARNA Canastra, 405 espécies de aves, sendo 21 delas ameaçadas de extinção, entre psittaciformes, falconiformes, galliformes, tinamiformes e passeriformes. Merece destaque o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) considerado criticamente em perigo. A região é de grande importância para a conservação desta espécie, onde estima-se que vivam entre 100 e 110 indivíduos, o que representa 42% da população conhecida na natureza em todo o mundo.

 Além disso, foram registradas 96 espécies de mamíferos, sendo 17 consideradas ameaçadas ou quase ameaçadas de extinção. Entre elas estão incluídas o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e o veado-campeiro (Ozotceros bezoarticus), espécies comumente observadas no Parque, o tatu-canastra (Priodontes maximus), a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), o gato-do-mato (Leopardus tigrinus) e três espécies de roedores (Euryoryzomys lamia, Thalpomys cerradensis e Thalpomys lasiotis). Pesquisas indicam o Parque Nacional como o local de maior densidade populacional de lobos-guará no país e a apontam como essencial para a manutenção dessa espécie.

Cabe citar também a presença de espécies exóticas invasoras, que representam ameaça à biodiversidade da UC. São conhecidas dez espécies da fauna exótica, incluindo abelhas, peixe, aves e mamíferos e seis da flora, entre capins e espécies arbóreas. Dentre elas, os javalis e javaporcos (Sus scrofa) são conhecidos por interagir de maneira a prejudicar outras espécies.

Dentre as espécies exóticas, também chamam a atenção, a braquiária (Urochloa decumbens), que, com considerável potencial invasor, se espalha por campos perturbados pelo fogo e pastagens, a tilápia (Coptodon rendalli) e a abelha-europeia africanizada (Apis mellifera). As três são motivos de preocupação, mesmo que em menor grau em relação ao javali (Sus scrofa). Algumas espécies domésticas, como cães e gatos, também causam impactos à fauna silvestre, seja pela caça ou doenças transmitidas, especialmente no caso daqueles que circulam livremente sem cuidados pelos donos.

Considerando que o Parque possui predomínio de fitofisionomias nativas, enquanto o seu entorno é ocupado por agricultura, pastagens e fragmentos de mata (MESSIAS & FERREIRA, 2019), reforça-se a importância da UC para a conservação e viabilidade populacional de espécies da fauna e flora que encontram nesse local um de seus últimos refúgios.

 Aspectos Socioeconômicos

A região do Parque é ocupada desde tempos pré-históricos, sendo conhecidos sítios históricos e arqueológicos dentro da UC. Há uma variedade de interesses no território, como, por exemplo, atividades produtivas, o turismo, a pesquisa e serviços ambientais, que precisam seguir permanentemente em diálogo. Além disso, o Parque possuiu áreas onde já houve exploração mineral, que são incompatíveis com o regime de proteção da UC.

Conforme observa BRUNO (2013): “Tradicionalmente, a região é reconhecida por suas atividades agropecuárias e o queijo tipo canastra vem ganhando prestígio nacional e internacionalmente. A pecuária, tanto de leite, como de corte tem sido, juntamente com a cafeicultura, atividades marcantes na região. O turismo aparece como terceira atividade mais importante e hoje, são inúmeras as pousadas na região, embora o turismo influencie em toda a economia local. A produção de grãos, como milho e soja, tem a cada dia maior destaque, assim como a fruticultura.”

Por fim, os serviços de alimentação e de hospedagem são oferecidos nos municípios do entorno e nas propriedades particulares não regularizadas dentro do PARNA Canastra, sendo crescente a participação de moradores na oferta local destes serviços, reforçando a diversidade de setores e interesses na região. O turismo associado aos cânions do reservatório da Hidrelétrica de Furnas também tem influenciado o turismo na Serra da Canastra e a diversificação do perfil dos visitantes.

A produção do queijo canastra, realizada nas propriedades particulares das áreas não regularizadas do Parque, nos municípios da região e outros próximos, foi reconhecida como patrimônio cultural e imaterial brasileiro, tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). É um queijo feito com leite cru, coalho e pingo, podendo ser apreciado fresco ou curado.

A população tradicional, detalhada na perícia etnográfica realizada no âmbito do processo judicial, denominada como canastreiros, ocupa o território abrangido por áreas rurais inseridas no Parque e em seu entorno. É constituída por uma série de pequenas comunidades rurais aparentadas, de proprietários rurais, configurando uma continuidade estrutural em pequenos espaços territoriais descontínuos. Compartilham tradições tanto laborais quanto de costumes, como festejos e tradições religiosas. Novos moradores provenientes de outras regiões (chegantes) se instalaram mais recentemente, alguns se integrando em maior ou menor grau às tradições locais, o que torna a situação bastante complexa em termos de classificação destes moradores, a qual não foi exaustivamente detalhada no Laudo Pericial existente.

As principais atividades desenvolvidas pelos moradores tradicionais são a criação do gado bovino, produção do queijo canastra e agricultura e, em algumas localidades, do cultivo de soja e café.

 Situações conflitantes

Alguns dos usos que ocorrem no território do PARNA Canastra, apresentam alguma forma de conflito com os objetivos desta unidade de conservação, geralmente relacionada à supressão e à degradação de vegetação nativa e, consequentemente, dos ecossistemas protegidos pela Unidade:

Mineração: Desde a extração de cascalho para obras públicas e privadas, extração e comércio de quartzito, até a pesquisa relativa à exploração de diamantes, existem diversos interesses minerários na região.

Expansão agrícola: Há a constante pressão para supressão de vegetação nativa, especialmente de formações campestres do Cerrado, para expansão de monoculturas em áreas de solos mais profundos e formação de pastagens com gramíneas exóticas.

Intensificação de população não residente: Devido às belezas naturais da região, há aumento crescente de demanda por pessoas que não residiam no local para construção de residências ou casas de veraneio, intensificando o parcelamento de propriedades, densidade da população, usos do solo e introdução de animais domésticos, como cães e gatos. Estes últimos, tem interface com a propagação de zoonoses e predação/afugentamento da fauna silvestre.

Turismo Desordenado: A abertura desordenada de trilhas de motos ou veículos com tração 4x4 em áreas frágeis e em grande número, que tem afetado principalmente o Chapadão da Babilônia, resultam em erosão, degradação e perda de habitats.

Incêndios Intencionalmente Provocados: O uso do fogo para renovação de pastagens nativas em desacordo com as normas e as medidas de segurança estabelecidas pode resultar em incêndios florestais descontrolados. Existem também incêndios provocados intencionalmente, por motivos diversos (retaliação à política ambiental, protesto, piromaníacos).

Fonte: Plano de Manjeo 2023